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A startup de “carro voador” da Embraer fecha seu 12º acordo em três meses

23 de setembro de 2021 - 09:37

A Eve, que já vale quase uma Embraer, anuncia acordo com a britânica Bristow para a entrega de 100 “carros voadores”, um mercado que pode movimentar US$ 1 trilhão em 2040. Andre Stein, CEO da startup, explica os próximos voos

As entregas das aeronaves terão início em 2026

Em janeiro de 1970, a Embraer entrou oficialmente em operação. Naquele mesmo ano, a Bristow estabeleceu na Nicarágua sua primeira unidade fora do Reino Unido. Nas décadas seguintes, as duas empresas ganharam o mundo. A brasileira, com seus aviões. E a britânica, a bordo de seus helicópteros.

Agora, de olho no futuro da aviação, esses dois roteiros estão se cruzando rumo a um destino cada vez mais popular no setor: o nascente mercado da mobilidade aérea urbana e das aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical (eVTOL), também conhecidas como táxis aéreos ou “carros voadores”.

Controlada pela Embraer, a Eve acaba de anunciar um memorando de entendimento com a Bristow para o desenvolvimento e a obtenção de um certificado de operador aéreo para o eVTOL da startup. O acordo envolve ainda um pedido de até 100 aeronaves, com entregas previstas a partir de 2026.

“A Bristow é a maior operadora de helicópteros do mundo”, diz Andre Stein, CEO da Eve, em entrevista ao NeoFeed. “O fato de termos achado diversas casas para as nossas aeronaves nos dá uma pegada global e nos deixa em uma posição muito confortável nesse mercado de potencial exponencial.”

A lista de parceiros para desenvolver serviços com seu eVTOL inclui, por exemplo, a Helipass, na França e outros países da Europa; a Microflite, na Austrália; a Ascent, na Ásia/Pacífico; a Kenya Airways, na África; a Flapper, na América Latina; a Helisul, no Brasil; e a Halo, nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Com a Bristow, a startup adiciona mais pontos a esse mapa. A empresa opera em países como Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Índia, México, Nigéria, Noruega, Espanha, Estados Unidos e Brasil. Dona de uma receita de US$ 1,2 bilhão em seu ano fiscal encerrado em 31 de março, em 2020, o grupo reforçou seu poderio ao se fundir com a americana Era Group.

Com a fusão, a Bristow passou a ser listada na Bolsa de Nova York e está avaliada em US$ 860,2 milhões. E é no estado americano do Texas, onde hoje fica a sede da empresa, que a parceria prevê iniciar a exploração do mercado de táxis aéreos, para depois, estender o serviço às demais operações.

“A ideia é que possamos compartilhar os riscos e o crescimento da operação”, diz Stein. “O formato exato é algo que ainda estamos discutindo, mas ele pode envolver desde a divisão de receitas até um modelo de equity em uma nova empresa.”

No leque de parcerias costuradas até o momento, esse não é o único acordo que abre caminho para a entrada de novos sócios na operação.

Em junho, a Embraer confirmou que a Eve está negociando uma fusão com a Zanite, empresa americana de “cheque em branco”. A companhia tem como coCEO Kenneth C. Ricci, sócio do fundo Directional Aviation Capital, principal investidor da Halo, uma das parceiras da empresa brasileira.

O negócio dá uma medida do potencial da Eve. Segundo a agência Bloomberg, o acordo envolve o montante de US$ 2 bilhões. Ou seja, na prática, sem que nenhum de seus “carros” tenham levantado voo, a startup já equivale a pouco mais de dois terços da Embraer, avaliada atualmente em US$ 2,95 bilhões.

“Não há um limite para o tamanho que podemos alcançar”, diz Stein, quando questionado se a Eve, em voo solo, pode se tornar maior que a Embraer. “De qualquer forma, a Embraer será parte dessa trajetória. Mas as negociações estão em curso e estamos abertos a outros potenciais investidores.”

Do Vale do Paraíba ao Vale do Silício

Assim como as outras empresas do setor, a Eve ainda tem um bom caminho para que seu “carro voador” possa cruzar os ares. Mas alguns números ajudam a entender essa avaliação bilionária. O Morgan Stanley, por exemplo, prevê que o mercado de eVTOL movimentará US$ 1 trilhão em 2040.

Em parceria com a KPMG, a Eve também tem suas projeções. “Estamos falando de 50 mil aeronaves nos próximos 15 anos e de 100 mil em 20 anos”, afirma Stein. “Esse volume corresponde a um mercado global de US$ 760 bilhões.”

Por trás dessas previsões, está a ideia de que os táxis aéreos possam se consolidar como uma alternativa mais rápida, barata e sustentável de deslocamento nas grandes cidades e seus arredores quando comparada, por exemplo, aos helicópteros.

“A eletrificação substitui o maior custo da aviação, que é o combustível”, diz Stein, que estima um custo um sexto menor da operação quando comparada a um helicóptero. “Isso, aliado a formatos de mobilidade como serviço, permite ter um veículo mais acessível e altamente utilizado.”

Andre Stein, CEO da Eve
O veículo da Eve terá, inicialmente, velocidade entre 200 e 250 km/h, recargas de 10 a 15 minutos e autonomia de 100 km. “De largada, isso já permite ir além da mobilidade urbana e fazer trajetos de maior alcance”, afirma.

As próximas etapas nesse processo incluem a realização, até o fim do ano, do primeiro voo de prova de conceito do modelo em escala real, na unidade da Embraer em Gavião Peixoto (SP). No médio prazo, também está previsto o desenvolvimento de um eVTOL autônomo.

O projeto do “carro voador” entrou no radar da Embraer em 2017, quando a fabricante brasileira, sediada em São José dos Campos (SP), na região do Vale do Paraíba, criou a EmbraerX, braço de inovação com tentáculos no Vale do Silício e em cidades como Boston e Melbourne, nos Estados Unidos.

Em outubro de 2020, a Eve tornou-se o primeiro spin-off da unidade. O novo status veio na esteira do plano estratégico traçado pela Embraer para reverter os impactos da pandemia e do cancelamento da joint venture em aviação comercial que vinha sendo negociada desde 2017 com a Boeing.

Entre outras medidas, a empresa fez três programas de demissão voluntária e investiu em ganhos de eficiência. Ao mesmo tempo, acelerou a busca pela diversificação dos negócios, entre eles, a Eve.

O plano começa a surtir efeito. No segundo trimestre de 2021, a Embraer reportou um lucro líquido de R$ 438,1 milhões, revertendo a perda de R$ 1,68 bilhão, registrada em igual período de 2020. A receita líquida cresceu 107%, para R$ 5,9 bilhões. No ano, as ações da empresa acumulam alta de 140,6%.

Além dos indicadores recentes, os analistas têm ressaltado boas perspectivas no futuro da Embraer e a Eve é um dos destaques nesse cenário, como observou em relatório recente o BTG Pactual, que apontou a “grande oportunidade de mercado endereçável” desse segmento.

“No eVTOL, a Embraer tem um posicionamento mais forte do que players iniciantes, dado o seu histórico de sucesso no desenvolvimento e certificação de novos produtos”, escreveram os analistas Lucas Marquiori, Fernanda Recchia e Aline Gil.

Ao lado de nomes tradicionais, como a Airbus, que nesta semana anunciou a nova geração do CityAirbus, seu eVTOL, esse mercado está atraindo muitas startups. Algumas delas já desembarcaram no mercado de capitais, por meio de SPACs, casos das americanas Joby Aviation e Archer Aviation.

“Questões como regulação e certificação das aeronaves são o maior desafio para que esse mercado seja criado e ganhe escala”, diz Francisco Lyra, sócio da consultoria C-Fly Aviation. “E poucas companhias têm essa competência. A Embraer é uma delas, assim como a Airbus.”

O acesso à infraestrutura e ao time de engenheiros da Embraer são justamente algumas das armas da Eve. Assim como o diálogo que a fabricante tem com órgãos como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Federal Aviation Administration (FAA), agência reguladora da aviação dos Estados Unidos.

No campo da regulação, a startup também lidera um consórcio no Reino Unido que busca construir, junto às autoridades, um arcabouço regulatório e operacional para viabilizar esses serviços.

Ao mesmo tempo, Stein destaca que o modelo proposto pela startup vai além do seu “carro voador”. O plano é oferecer um portfólio de produtos e serviços que vai desde o controle desse tráfego aéreo até frentes como manutenção e treinamentos de pilotos.

O Morgan Stanley prevê que o mercado de eVTOL movimentará US$ 1 trilhão em 2040

É sob essa ótica que ele responde ao fato de que as duas principais companhias aéreas com atuação no Brasil fecharam contratos com rivais da Eve. Nesta semana, a Gol assinou um protocolo de intenções para a aquisição de 250 aeronaves da britânica Vertical Aerospace. Em agosto, a Azul anunciou uma parceria com a alemã Lilium envolvendo 250 eVTOLs, em um aporte que pode chegar a US$ 1 bilhão.

“Estamos pensando no ecossistema, inclusive, em operar outras aeronaves. Nesse sentido, Gol e Azul podem ser nossos clientes”, afirma. “Nossa visão é agnóstica. O importante é que esses acordos reforçam que o mercado está aquecido e que há muito espaço para o eVTOL.”

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