A exploração documental do fundo do mar deve muito ao pioneirismo de Jacques-Yves Cousteau (1910-1997). Foram as invenções do lendário oceanógrafo francês que abriram caminho para as impressionantes imagens subaquáticas capturadas hoje por mergulhadores munidos de câmeras de alta definição.
O legado de explorador é resgatado em “Becoming Cousteau”, documentário da National Geographic que estreou nesta sexta (dia 22) nos EUA e chega ao Brasil em novembro pela Disney +. Cousteau foi quem desbravou cinematograficamente o pouco conhecido mundo dos oceanos, ainda no início da década de 50.
“O público aprecia os sofisticados filmes realizados hoje no fundo do mar sem ter ideia de quem esteve por trás disso”, conta a cineasta americana Liz Garbus. Um dos exemplos que ela dá é “Professor Polvo”, título da Netflix que conquistou o último Oscar de melhor documentário ao registrar a amizade de um homem e um polvo na floresta subaquática na África do Sul.
Garbus participou de painel virtual, com cobertura do NeoFeed, durante a última edição do Festival Internacional de Cinema de Toronto, o TIFF, onde “Becoming Cousteau” foi uma das atrações. “Ao ler para o meu filho uma história ambientada nas profundezas do mar, eu me dei conta de que ele não tinha ideia de quem foi Cousteau”, diz Garbus, de 51 anos.
O universo desvendado por Cousteau, vencedor de uma Palma de Ouro no Festival de Cannes e de um Oscar pelo documentário “O Mundo do Silêncio” (1956), acabou influenciando toda uma geração de mergulhadores e biólogos marinhos.
Ao longo de sua trajetória, Cousteau criou equipamentos que permitiram estender o tempo de exploração submarina – fundamental para o registro das imagens. Em parceria com o engenheiro Émile Gagnan, ele criou o protótipo do aqualung, em 1946, quando ambos eram oficiais da Marinha Francesa.
Esse dispositivo de mergulho foi formado por cilindro portátil de ar comprimido e por regulador capaz de fornecer o ar comprimido sob demanda. Assim, o ar só saía do cilindro quando o mergulhador inspirava, impedindo que o fluxo fosse contínuo. Foi assim que nasceu o do equipamento de mergulho autônomo.
A primeira câmera subaquática portátil, para filme de 35 mm, também foi desenvolvida por Cousteau, para que ele pudesse compartilhar com o resto do mundo as suas descobertas.
Em 1959, ele já tinha um pequeno submarino (com capacidade para apenas duas pessoas) munido de todos os dispositivos necessários para filmagens, com câmeras e equipamento de luz. Seu legado inclui mais de cem produções audiovisuais desbravando os oceanos.
“Eu me tornei um inventor por necessidade, para conseguir ir mais fundo e permanecer mais tempo embaixo d’água”, conta o explorador, que tinha um gorro vermelho como marca registrada, no documentário. O filme traz material de arquivo com entrevistas com o próprio Cousteau, além de depoimentos de colegas e dos seus filhos.
Trechos de vídeos caseiros inéditos, cedidos pelos seus herdeiros, também integram o filme, com vários deles capturando momentos do oceanógrafo com a sua família e com a tripulação do Calypso.
A participação da família de Cousteau no documentário explica a abordagem com foco sempre no lado positivo, ignorando a maioria das críticas que o explorador também encarou.
Estudiosos da vida marinha chegaram a acusá-lo de ser superficial nas suas pesquisas, não demonstrando grande interesse científico e se preocupando mais com o caráter de aventura das imagens que registrava.
Houve também denúncias de maus tratos, já que muitas vezes os filmes (sobretudo os primeiros) usavam criaturas marinhas capturadas. E elas tinham de se comportar conforme o roteiro do filme pedia, o que pode possivelmente causou mortes das mesmas durante as filmagens.
O próprio oceanógrafo chegou a confessar, certa vez, que suas primeiras produções não tinham qualquer preocupação ambiental. Na época, a prática do mergulho podia danificar os corais com as nadadeiras, por exemplo.
Nos anos 80, no entanto, ele passou a defender o meio ambiente, advocando sobretudo pelos oceanos e pela fauna aquática. O documentário é encerrado com a participação de Cousteau, em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, chamada de Eco-92.
“Durante décadas de exploração marinha, ele foi percebendo, em primeira mão, como os oceanos estavam mudando, com a poluição e a extinção de espécies”, conta Garbus. “E ninguém fez mais do que Cousteau para divulgar a riqueza e a beleza dos mares. No século 20, suas aventuras a bordo do Calypso fizerem dele um dos rostos mais reconhecíveis do planeta”, lembra ela.