Ele se refere ao colapso da cadeia de suprimentos das mais diferentes indústrias no Brasil e no mundo, que está elevando o preço do frete a níveis recordes, tem causado falta de contêineres no mercado e levado a cancelamentos ou suspensão de escalas. É o que esse executivo resume como a tempestade perfeita. “Onde tem contêiner, não tem navio. E onde tem navio, não têm contêiner”, diz essa fonte.
Da Apple, que teve um lucro recorde de quase US$ 100 bilhões, mas alertou que as interrupções na cadeia de suprimentos estão atrapalhando a fabricação do iPhone, a fabricantes de eletroeletrônicos e produtores rurais brasileiros que estão literalmente a ver navios, o caos logístico está levando a dificuldades de abastecimento e ao aumento de preços de produtos manufaturados.
Os preços das tevês, por exemplo, subiram mais de 40% nos últimos 12 meses, segundo estimativas consultoria IT Data. Os dos smartphones, 35%. “A demanda por esses dois produtos estava muito alta”, diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da IT Data, que esclarece que a alta do dólar e o preço de componentes eletrônicos também ajudaram a fazer o preço desses dois itens avançar.
O resultado dessa escassez fez os preços dos fretes marítimos crescerem em uma velocidade assustadora. Um contêiner de 20 pés, vindo da Ásia, saiu de um preço médio de US$ 1.950, em janeiro de 2020, antes da pandemia, para US$ 9.550, em setembro deste ano, alta de 390%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), elaborados com dados da consultoria Solve.
Mais: um contêiner de 40 pés teve uma alta ainda maior, passando de US$ 2.050, em janeiro de 2020, para US$ 11.200, em setembro deste ano, um avanço de 446%.
O preço de um contêiner de 40 pés passou de US$ 2.050, em janeiro de 2020, para US$ 11.200, em setembro deste ano, um avanço de 446%
Esses dados são preços médios. Mas o colapso da cadeia de suprimentos explodiu os contratos de longo prazo com os armadores, como são chamados os proprietários dos navios, fazendo a maioria das empresas que depende de importação e exportação a negociar no mercado spot, em que os preços são definidos diariamente.
“Antes da pandemia, eu pagava US$ 3 mil por um contêiner de 40 pés saindo de Xangai. Agora, está na casa US$ 20 mil”, diz o presidente de uma grande empresa de tecnologia, que não quer se identificar.
A percepção é a mesma na Multilaser, empresa com um modelo intimamente ligado à China. “Os contêineres estão muito caros, quase 12 vezes o piso histórico, o que encarece muito os produtos importados”, afirma Alexandre Ostrowiecki, CEO da Multilaser, dona de um portfólio de mais de 5 mil produtos eletroeletrônicos que mescla a produção local com componentes e produtos prontos importados da China.
A crise logística, por enquanto, não está causando desabastecimento de produtos no mercado brasileiro, como acontece com a indústria automobilística que vem sofrendo com a falta de componentes para a fabricação de carros no Brasil e no mundo.
De uma forma geral, a maioria das empresas está conseguindo se abastecer com produtos importados. Mas não há mais previsibilidade de quando os itens chegam para a fabricação.
“O atraso de matéria-prima virou uma constante”, diz um executivo de uma indústria eletroeletrônica. “O estoque de segurança virou nossa válvula de escape e temos feito mudanças repentinas na produção para manter a fábrica rodando constantemente.”
Uma das alternativas é aumentar a produção com itens nacionais. “Esse contexto favorece a produção local, especialmente das partes mais volumosas, como injetáveis plásticos”, afirma Ostrowiecki, da Multilaser. “E estamos em plano de aceleração para tentar, o mais rápido possível, produzir em casa e fazer economia desse frete, que é tão pesado.”
Como parte desse plano, a Multilaser está investindo R$ 154 milhões na ampliação de sua produção, atualmente distribuída em Extrema (MG) e Manaus (AM). Nas duas unidades, a companhia fabrica placas de circuitos integrados e monta produtos como computadores, tablets e celulares.
“O atraso de matéria-prima virou uma constante”, diz um executivo de uma indústria eletroeletrônica
A injeção de recursos envolve iniciativas como o aumento da estrutura da fábrica de Extrema e a instalação de linhas de injeção plástica, telas de computadores e produtos como liquidificadores, ventiladores e batedeiras. Em Manaus, a novidade é a fabricação de televisores.
Com essas medidas, a Multilaser projeta sair de um índice atual de 70% do portfólio produzido no País para 80% até meados de 2022. Mas, não custa lembrar, boa parte dos produtos da empresa precisa de componentes que vêm, em sua maioria, da China.
O que explica o caos
Como um acidente aéreo, não há uma causa única para esse momento da logística mundial. Segundo especialistas com os quais o NeoFeed conversou, a crise é anterior a Covid-19, mas foi agravada pela pandemia do novo coronavírus.
Os armadores vêm passando, desde 2008, por problemas financeiros, o que levou a uma consolidação do setor. Atualmente, as quatro maiores empresas da área detêm uma fatia de quase 60% do mercado. A líder Maersk, por exemplo, tem uma participação de 17%.
“O ano de 2020 começou com uma tendência de melhorar, com a oferta e a demanda se encontrando novamente, depois de uma década de prejuízos bilionários”, diz Barreto, da Solve Shipping Intelligence. “Aí, veio a pandemia.”
Em um primeiro momento, o mundo parou – inclusive os navios, que ficaram “estacionados” sem carga para transportar ao redor do mundo. Mas, a partir do terceiro trimestre do ano passado, com a injeção de liquidez mundial patrocinada por bancos centrais de todos os cantos do planeta, o consumo voltou com toda força.
“Para surpresa de empresas dos Estados Unidos e da América Latina, incluindo o Brasil, o consumidor não parou de gastar, mas produtos de escritório, tintas, material escolar e até equipamentos de ginástica tiveram um excesso de demanda de até 400%”, afirma Alfonso de los Rios, CEO da Nowports, startup mexicana que monitora em tempo real contêineres ao redor do mundo.
Esse crescimento da demanda não parou de crescer. E, pouco a pouco, foi levando a um colapso da estrutura logística. O encalhe do navio Ever Given, da empresa Evergreen, que fechou o canal de Suez em março deste ano, foi a cereja no bolo de uma situação que já beirava o caos.
Mas não há nada que não esteja ruim que não possa piorar. Em setembro deste ano, o porto de Los Angeles contou com um número recorde de mais de 70 navios esperando para atracar. O motivo? As malhas rodoviárias e ferroviárias americanas não estavam dando conta de transportar a carga que chegava para ser desembarcada, provocando um estrangulamento que atingiu os portos.
O colapso do porto americano fez com que o termo “cadeia de suprimentos” fosse citado mais de 3 mil vez em calls de resultados de empresas do índice S&P 500, que reúne as maiores companhias dos Estados Unidos, segundo levantamento da Bloomberg – um recorde em comparação ao ano passado.
Até o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se meteu no problema, ao se reunir com representantes da indústria portuária americana no começo de outubro. Entre as decisões tomadas, o porto de Los Angeles passou a funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana.
No Brasil, não há congestionamentos de navios nos portos. O problema é o custo do frete e a dificuldade de conseguir contêineres para importar e exportar os produtos. “Espaço em navio hoje é um item escasso” diz Carlos Souza, fundador e COO da LogComex, empresa que coleta dados de comércio exterior.
O problema ainda deve persistir por um longo tempo, mas já há boas notícias no horizonte – ou pelo menos, não tão ruins. “O custo do contêiner parou de subir e estacionou na faixa de US$ 12 mil a US$ 13 mil”, diz Ostrowiecki, da Multilaser.
Como os armadores estão ganhando dinheiro, eles devem começar a comprar novo navios. Mas embarcações desse porte demoram muito anos para ficar prontas. A expectativa é que, de forma estrutural, o problema se resolva entre 2023 e 2024. “No curto prazo, acreditamos, torcemos e rezamos que a situação comece a melhorar no primeiro semestre de 2022”, afirma Barreto, da Solve.
O executivo do setor eletroeletrônico do início dessa reportagem diz que o custo do frete já caiu 15% em outubro. E acredita que o caos logístico deve se normalizar até o fim do ano. “O preço do contêiner vai cair para US$ 8 mil, mas não voltará aos US$ 2 mil, US$ 3 mil que pagava antes da pandemia.” Bem-vindos ao novo normal.
(Colaboraram Moacir Drksa e André Italo Rocha)